Poderia ter sido um dia como outro qualquer. Mas não foi... Aquela moça grávida de oito meses estava cansada. Tinha arrastado móveis para ajeitar o quarto e dar lugar ao novo bebê que deveria chegar dentro de umas duas semanas. Claro que o marido tinha tentado evitar, dizendo que ainda tinha tempo pra fazer isso com calma. Aliás, ele era a calma em pessoa. Mas ela era teimosa e quando decidia fazer algo, ninguém a segurava. E assim fez: com a ajuda resignada do marido, mudou todos os móveis do quarto de lugar.
Terminada a tarefa, ela foi se deitar, mas não conseguiu dormir. Uma dorzinha leve começou a incomodá-la. Nada que a fizesse sofrer ou imaginar que algo não estivesse bem com o bebê, mas a dorzinha não passava. O marido não tinha demorado a desmaiar e, ao seu lado, já dormia um sono pesado, cansado do trabalho na fábrica. A filha mais velha, pouco mais que um bebê, dormia no berço ao lado. Mas a tal dorzinha não passava; uma pequena cólica, ela dizia. Cutucou o marido e pediu que ele a levasse ao pronto-socorro.
Ele resmungou algumas palavras ininteligíveis mas, como conhecia aquela jovem que jamais desistia, levantou-se, vestiu a primeira roupa que encontrou e, sem conseguir ainda raciocinar direito por conta do sono, foi para a rua procurar um taxi. Antes disso, tocou a campainha da casa vizinha e chamou a mãe dela, que morava bem ali ao lado. Esta, ao chegar lá e perceber que a criança podia estar prestes a nascer, fez o óbvio: correu para a sua casa, para acender uma vela e rezar... Só mesmo a Dona Nenê! A moça ficou só, com um bebê no berço e outro na barriga, este último doidinho pra ver como era o mundo lá fora. Era um sábado, onze horas da noite e a rua estava deserta. Nenhum carro, muito menos um taxi. Assim, meia hora depois de esperar e não ter sucesso algum, o rapaz resolveu voltar para casa e dizer à esposa que esperasse até o dia seguinte, que afinal não devia ser nada mesmo. E assim fez. Ao entrar no quarto, o que viu foi uma cena que ele jamais esqueceu... Sua esposa tinha sobre o peito um bebê que dormia calmamente, ainda ligado ao cordão umbilical. Ela só lhe disse: "tive vontade de fazer uma forcinha... e ela simplesmente nasceu!". Nesse momento, a avó da criança, que já tinha acendido a tal vela, voltava para ver "como estavam as coisas". Ao ver que a criança já tinha nascido sem ajuda alguma, olhou para o bebê e disse a célebre frase que a família jamais esqueceria: "O que é que a gente faz com isso agora?" Pois é, foi essa a primeira denominação que a criança recebeu, mal saída da barriga da corajosa mãe.
De forma um tanto apressada, há que se reconhecer, mas bem que ela poderia ter tido uma recepção mais calorosa por parte da vovó. Já adulta, ela se divertia e ria junto com a avó toda vez que a história era contada e recontada. Até a mãe conseguiu rir naquele momento, pela inusitada reação da avó diante da situação. Já nascida a criança, chamaram o pronto-socorro e foram acordar uma vizinha que era parteira. Pode-se perguntar: por que será que eles não fizerem isso antes de mais nada, em vez de tentar achar um taxi? A verdade é que o pai não devia realmente achar que era algo tão urgente e muito menos que a criança poderia nascer tão antes do prazo previsto.
E o bebê? Ela, uma menina com esparsos fiozinhos de cabelo (para não dizer carequinha) não estava nem aí... O cordão umbilical só foi cortado cerca de 15 minutos depois de nascida e já não pulsava mais. O tempo de espera se passou ali, junto ao corpo da mãe, na tranquilidade do quarto, no escurinho silencioso daquela noite de sábado. Cortado o cordão, a parteira deu o primeiro banho, vestiu uma roupinha bem bonitinha e colocou a recém-nascida no berço... da irmã mais velha. Aliás, a irmã nunca se conformou por ter sido desalojada no meio da noite, para dar lugar àquele pequeno serzinho intrometido que foi chegando assim sem avisar, com uma pressa tão grande que nem deixou a mãe sair de casa, que nem permitiu que comprassem uma caminha para que ela pudesse liberar calmamente o berço, sem sobressalto.
A criança, que chorou só um pouquinho assim que nasceu, logo dormiu... Nasceu apressada, mas não era prematura. Ao ser colocada no berço, na falta da chupeta que ainda não tinha sido providenciada (como todo o resto, por sinal) foi logo colocando o dedinho na boca e dormiu placidamente, alheia a tudo, enquanto o pequeno círculo familiar ao seu redor continuava perplexo, tentando digerir a novidade. Mais tarde, essa criança soube que o dia em que ela nasceu tão apressadamente, tão antes do prazo previsto, era justamente o dia do aniversário de uma pessoa muito querida: a avó de sua mãe, que ela considerava uma das pessoas que mais amou nesta vida, com quem ela tinha vivido e crescido e que a havia deixado poucos anos antes... "uma homenagem a ela", dizia a mãe, "uma bela homenagem".
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Escrito e publicado por Christine Jz.
Muito lindo, amiga querida
ResponderExcluirBeijos
Magnífico como você
ResponderExcluirBeijos
Liiiiindo!!!! Até chorei...
ResponderExcluirbj
Chris,
ResponderExcluirbem legal essa história, heim?
e bem contada também...
mais, mais...
bj.
Denis
vc é doce e poética...
ResponderExcluiramei a sua história!
linda,linda..
um beijo querida!
Oi Chris,
ResponderExcluirAdorei a história, conte mais.
Bj
Braulio
Oi Xris:
ResponderExcluirFoi assim mesmo?
Exatamente assim... :)
ExcluirPois é, me identifiquei muito com essa história. Aquele bebê desalojado era eu...
ResponderExcluirApesar de ter sido desalojada, adoro você minha irmã.
Um grande beijo
Roseli